João Neutzling Jr.
A Neta e o vovô
Por João Neutzling Jr.
Economista, Bacharel em Direito, Mestre em Educação, Auditor Estadual, Professor e Escritor.
[email protected]
Domingo de verão, dia de sol, casa cheia, família reunida em um churrasco para almoço farto, aquele cheiro de carne assada no ar, demais familiares terminando de almoçar, recolhendo os pratos para lavar, as outras crianças correndo no pátio, os filhos bebendo a última cerveja com os cunhados, as filhas e noras arrumando a mesa, a TV da sala ligada e ninguém assistindo, etc.
Dona Mariza, professora aposentada com 60 anos de idade, viúva há pouco tempo, vai se deitar com sua neta Luciana de três anos depois do almoço para sestear.Mariza
acomoda na sua cama de casal, no quarto onde dormia quando casada, a neta que fica falando palavrinhas antes de dormir. Mariza liga a TV em volume baixo. Luciana fica segurando uma boneca e conversando com a avó. Por coincidência, neste dia fazia um ano da morte do Sr. Carlos, marido de Mariza.
Os olhinhos quase fechando de sono quando Luciana de repente se senta na cama e olha em direção a um armário no quarto:
- Oi vô! Oi vô! Vô "Calos", oi! vô"Calos ", oi .
Luciana acena com sua mãozinha em direção ao armário. Dona Mariza percebe e observa a neta. Luciana fala de novo:
- ri ri ri Vô ! ri ri ri
Mariza indaga:
- Com quem você está falando Luciana?
-Com o vô. Ele tá ali ó, oi Vô!
- Ali onde Luciana ??
- "Ali vó! Ri ri ri". Luciana aponta o dedinho em direção ao armário e acena com um largo sorriso.
Obviamente a professora Mariza não vê ninguém exceto um armário antigo marrom cheio de roupas com as portas fechadas e, em cima, umas malas antigas. A avó senta-se na cama e indaga:
- Como o vô está vestido Luciana ??
- Ri ri ri, de "ropa", ri ri ri.
Luciana olha para o canto do quarto onde está o armário e fica falando palavrinhas típicas de sua idade e acenando com sua mãozinha. A avó olha para a cena já entre assustada e preocupada. Luciana desce da cama e fica em pé olhando para o armário e fala:
- Aham, aham, sim, sim...
Mariza se levanta da cama e indaga de novo:
- Onde está o vovô Lu??? A neta Luciana fica imóvel e continua seu diálogo:
- Sim Vô, sim, ... aham, ...
Dona Mariza fica toda arrepiada dos pés até o rosto, suas mãos tremem de susto e medo. Fica paralisada sem saber o que fazer.
Luciana segue o diálogo:
- "Amalelo" vô !
- Só no Natal vô.
Mariza observa a neta em pé ao lado da cama olhando fixamente para o armário e mexendo os dedinhos da mão direita. Longos minutos se passam.
- Tchau vô, tchau.
Luciana volta para a cama e se deita. A avó pergunta:
- Cadê o vovô minha querida???
- Ele já foi, já foi.
- Para onde ele foi ??
- "Pra" casa.
Luciana sobe para a cama e se deita, adormece profundamente abraçadinha ao travesseiro.
Mariza enxuga as lágrimas que escorrem nos olhos e olha para o armário como que perguntado "onde você está agora meu amor? Onde você está? Por que me abandonou tão cedo?"
Mariza deita na cama e olha para a neta, abraçada em sua boneca, dormindo o sono dos inocentes e ela sentindo uma angústia no peito, as lágrimas escorrem do rosto.
Fato ocorrido no bairro Areal, em Pelotas, imediações do parque da Baronesa, há poucos anos. Dona Mariza (nome fictício) já desencarnou. Luciana (nome real) ainda vive.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário